- A falta de oportunidades para uma banda se expandir em Portugal
O Johnie é um daqueles raros exemplos de 'sucesso' em Portugal. Dizia o mesmo dos FTG mas o Johnie ainda consegue ser mais, sem dar tanto nas vistas. Depois de tudo o que fez com bandas como LOV DA XIT e ZOOTIC, aparece agora em SIMBIOSE e ALBERT FISH e não pára... Com a Anti-Corpos já editou 'grandes' bandas como GAROTOS PODRES, ACROMANÍACOS e SKAPARAPID e tudo indica que nem tão cedo vai ceder.
Aqui fica o contacto que tive oportunidade de estabelecer com ele esta tarde, foi bastante interessante e curioso.
1- João, desde que te conheço que te vi envolvido em projectos bastante interessantes no panorama hardcore nacional: Zootic, Lov da Xit, Albert Fish, Simbiose, Anti-Corpos, etc... Fala-me lá um pouco da tua vida actual e dos projectos pelos quais já passaste...
Sim, ao longo dos anos passei e ainda faço parte de alguns projectos! Podemos começar pelos quais faço parte actualmente: Simbiose, Albert Fish e AntiCorpos. Neste momento estou envolvido nestes 3 projectos, cada um distinto do outro, mas com a mesma forma de encarar a realidade! Sobre os projectos que eu já passei gosto de todos e foram todos uma experiência enorme para mim como pessoa, amigo e músico.
Sempre curti tocar bateria, então ao longo do tempo fui formando e entrando para bandas, tais como Sicksicksix, ZOOTIC e Albert Fish.
Como vocalista também tive em duas bandas; antes de entrar para os simbiose, onde ainda me encontro, passei pelos LOV da XIT, uma banda também já muito antiga que infelizmente houve muita gente que não chegou a conhecer...
2- Agora em relação à Anti-Corpos... sei que vocês lançaram algumas bandas de Espanha como SKAPARAPID e KISAP, e também os GAROTOS PODRES do Brasil, banda bastante conhecida no meio. O que significa para ti o mundo humilde do hardcore e as ligações que hoje em dia são feitas, com muito mais facilidade pela internet, que há uns anos atrás eram bem difíceis?
Sobre a ANTICORPOS, foi um projecto que iniciei com mais um amigo, á uns bons anos, com a finalidade de editar as nossas próprias bandas e bandas com a mesma ideologia política. As coisas vão começando a andar, começas com um lançamento, depois editas outro e dás por ti já tens uma data de material para distribuir com trocas que fizeste com outras bandas e editoras.
Sim. Hoje em dia as coisas são muito mais fáceis pela Internet, posso dizer que quando a anticorpos começou eu perdia muito, mas muito tempo a escrever cartas a pessoal e sem duvida que agora com a net consegues chegar a muitas mais pessoas e bandas que antigamente. Por exemplo, esta entrevista demoraria no mínimo um mês a ser feita, era o tempo de tu a fazeres, de me enviares, eu responder e tu recebê-la novamente.
Sobre a ligação com as bandas estrangeiras a internet não teve nada a ver. Tanto com os Skaparapid como com os KISAP; são pessoas com quem tenho uma relação de amizade há muitos anos e daí surgiram as edições. Com os GAROTOS PODRES, é uma banda que eu acompanhava e conhecia há muito tempo (desde criança, ehehe) e a banda veio parar à anticorpos através do Serralha dos Acromaníacos.
A meu ver, no Punk/HC, não existem bandas grandes ou pequenas, entendes o que quero dizer? Existem bandas com mais anos que outras mas todas têm a mesma filosofia. Por isso não vejo o porquê de tanto garotos podres como skaparapid não editarem pela AntiCorpos ou por outra editora qualquer, com o espírito D.I.Y.
Mas há que acrescentar que a net torna as coisas bastante mais fáceis.
3- O PUNK / HC sempre foi um estilo underground e supostamente DIY sim, onde a comercialização e a ligação a multinacionais nunca teve grande interesse. Sendo assim, o que me tens a dizer de bandas como CENSURADOS, TARA PERDIDA e MATA-RATOS terem ido parar a uma multi-nacional como a EMI?
É assim, eu não sou gajo para estar sempre apontar o dedo a ninguém! Eu falo pelo que faço e o pessoal das bandas onde toco fazem... Para mim não faz sentido nenhum tu seres editado por uma multinacional se tocas PUNK/HC principalmente por um motivo; é que, quer queiras quer não, o punk não se vende na FNAC ou lojas desse tipo! Apesar do punk sofrer uma alteração brutal de 10 anos para cá, e muitas coisas mudaram e já não são como eram no início. Por exemplo, os ALBERT FISH e os SIMBIOSE vendem 1000 cópias e não assinamos por nenhuma multinacional, fomos nós próprios que distribuímos os discos. Mas pronto, vejo também a cena das multinacionais como um comodismo por parte das bandas que não querem fazer nada para que sejam editadas por si próprias ou por editoras de amigos.
Outra coisa que tens que ver, quando entras para uma multinacional ou para uma editora grande, é que muitos dos teus direitos como banda acabam. Tens o exemplo dos CENSURADOS que hoje em dia querem ver os seus dois primeiros discos a serem reeditados e não é possível porque a editora tem o registo em seu nome e não está para investir numa banda que já acabou, e já não corresponde com os seus próprios objectivos. Isso é uma cena que eu não quero que aconteça com nenhuma banda minha nem com aquelas que fazem parte da anticorpos. Tu tens que ter sempre o direito de mandar naquilo que fazes.
4- Compreendo e concordo. Eu pessoalmente também não me estou a ver assinar por uma multinacional. Mas há que ver as coisas doutra forma. Para uma banda que tenha uma mensagem forte esse pode ser o escape... Tipo... uma banda que seja editada por uma EMI pode ter muito mais saída para o público, e dessa forma passar a mensagem a muito mais pessoal, do que uma banda da Ataque Sonoro, não?
Repara numa coisa, no HC o que importa é a atitude das bandas! Eu o que te estava a dar era a minha opinião pessoal, o que queria para mim ou para os projectos dos quais eu faço parte. Mas é obvio que uma banda consegue chegar através de uma multinacional a sítios que uma editora mais pequena não chega... Mas para isso acho que se tu tiveres uns bons concertos, com condições, não só com boas condições para as bandas estrangeiras, mas sim para nós também, quando falo de condições falo em bom som, cachet que dê para pagares as tuas despesas e respeito... Só assim consegues "competir" com o que vêm de fora, com a mesma qualidade!
4- Falando em cachets... uma cena que por vezes não compreendo é bandas que vêm de fora (Lisboa, Porto) a pedir exageros de 400€ a dizer que é só para despesas de viagem. O problema é que essas bandas se calhar não metem mais de 20 pessoas no recinto, e com bilhetes a 3€ não dá para pagar o seu 'cachet'. Não achas que as bandas 'hardcore' por vezes exageram nas condições num meio que supostamente não deveria funcionar desta forma? Digo isto porque quando nos convidaste para ir tocar a Cascais 50€ deram perfeitamente para ir e voltar... e ainda tivemos jantar e boas condições...
SIM e não! Ou seja, isto parte de um principio que é o seguinte, as bandas têm despesas que são fixas: sala de ensaios, cordas, baquetas, tours pela europa, gravações, e além daquilo que gastas para ires tocar (gasosa e comida), então é o seguinte, no caso de SIMBIOSE, a banda tem alguns objectivos, nos quais uns deles já foram ditos em cima e já vimos que como funcionamos há 14 anos esses objectivos não vão ser atingidos. Por exemplo, é muito injusto para uma banda percorrer 100, 200 ou 300km e vais na tua boa onda, por despesas e boa vontade; chegas lá e levas com o filme de não haver comida, de não haver dormida, do som nem dar para tu ao menos dares um bom concerto, e muitas das vezes o cachet "exagerado" que tu falavas era apenas para garantir estas condicões, para a pessoa que está a organizar ter a preocupação de nos dar um bom som e umas boas condições porque já envolve uma maior responsabilidade. Isto é a parte do SIM.
A parte do NÃO, é que muitas vezes uma pessoa que tem um espaço para 50 pessoas é impossível de pagar esse tal cachet, porque não se pode exigir muito dessa pessoa, e outra coisa é quando acreditas numa coisa e há um concerto de beneficência, que tem um fim com pés e cabeça, não como muitos que se fazem por aí, que nem se sabe para onde vai a guita, não podes estar a pedir guita porque estás a tocar por uma causa.
5- Ok. E bandas de 4 elementos, em que apenas 2 são vegetarianos, a participar num ANIMAL LIBERATION FEST? Achas correcto?
Acho!
E acho que é uma palhaçada o pessoal que não é vegetariano ou vegan não poder participar num benefit desses. Em primeiro lugar, já vi muita, mas mesmo muita gente, que hoje é o maior vegan, e que faz e acontece, e passado um ano comem carne, e olha que já vi muitos, e normalmente são essas pessoas que fermentam este tipo de problemas.
Em segundo lugar, se pões em causa só porque um membro ou dois ou até mais não serem vegetarianos, de não tocarem num festival destes, é porque tens uma mente fechada e não queres que se abra para os outros e tens que perceber que quantas mais pessoas forem ao concerto que não sejam vegetarianos, mais possibilidades tens de passar informação a quem realmente interessa, ou vais passar a vida a dizer às mesmas pessoas, que já sabem o que isso é, a mesma coisa?
Por exemplo, nós em SIMBIOSE somos 6 pessoas e só 2 é que somos vegetarianos e respeitamo-nos todos uns aos outros, e acho que muitas pessoas deveriam seguir o mesmo caminho. As coisas têm que começar por algum lado, não achas?
6- Sim, mas… Então como explicas que SIMBIOSE tenha cancelado a participação num festival de metal só pelo facto de uma banda ter ideologias nazi? Pela tua lógica vocês deveriam ter participado e tentado mostrar o vosso ponto de vista mas ao invés disso cancelaram a vossa presença...
Estamos a falar de coisas diferentes! Para já, além de só haver 2 vegetarianos na banda, não há ninguém em SIMBIOSE que se identifique com esse tipo de ideologia (nazi). Então dar guita a bandas dessas está fora de questão
7- Falando agora mais em SIMBIOSE... Vocês já têm mais de 10 anos de banda, já viveram muito, muitas alterações na formação mas a atitude continua lá. Uma banda de rock consegue aguentar-se 20 anos a tocar, uma de heavy metal também... para uma de crust (assim como uma de metal mais extremo) onde a musica é sempre acelerada... como é que vocês conseguem ainda manter a mesma pujança de sempre?
É pá, eu não sei o nosso dia de amanhã, mas uma coisa que eu adoro são os SIMBIOSE, e o que eu mais adoro no pessoal dos simbiose é que tocamos e fazemos aquilo que gostamos e quando isso acabar a banda acaba! Não nos vemos nos próximos 20 anos a tocar baladas em SIMBIOSE e a mudar de atitude! Ehehehe.
8- Então deves ser 'daqueles' que diz que Metallica 'morreu' com o LOAD e o RELOAD... Mas no entanto apareceram com o St. ANGER (que, apesar de não estar grande máquina, está bem melhor)... Ou 'daqueles' que dizem que Green Day ‘morreu’ com o NIMROD... no entanto este AMERICAN IDIOT arrasa...
É pá, não! Cada banda tem a sua vida própria...e eu acho que quando esse tipo de coisas acontece os "fãs" das bandas gostam sempre de apontar o dedo. Mas gostos são muito subjectivos, há pessoal que gosta mais de uns discos de uma banda e outros gostam mais dos discos de outras
9- Em relação a Portugal... como vês a cena nacional comparada à de lá de fora? Brasil...Espanha...terras do Tio Sam... Achas que estamos muito atrás em termos de spots para tocar, bandas, editoras, distribuidoras, ou que nem somos dos piores e nem nos podemos queixar?
É assim, em termos de bandas em Portugal estamos muito bem servidos, existem excelentes bandas, sempre existiram no nosso estilo e que se equivalem às de fora...
E a cena alternativa para tocar com condições são muito poucas. o que há são coisas muito caras e as realmente alternativas em Portugal contam-se pelos dedos. Editoras somos poucas.
Não concordo em termos poucas editoras... Tens a Raging Planet, Ataque Sonoro, Rastilho, Anti-Corpos, e outras ainda mais independentes...
Meu amigo, se para ti essas já são muitas, eu não concordo! Só são muitas quando todas as bandas novas tenham quem lhes edite um disco, é a minha opinião!
Mas as que há são boas, apesar de eu achar que não há organização entre elas. Unidos conseguíamos fazer coisas melhores!
10- Desculpa, mas continuo a discordar totalmente... Acho que já vai havendo muitas salas de espectáculos e editoras... Como disse na entrevista com o Congas... Antes só tinhas a Ataque Sonoro, Rastilho, o Ritz Club e a Praça de Espanha... Agora tens mais algumas, bares pelo pais todo (Associação de Músicos, Casa da Cultura de Loulé, o Culto, Santiago Alquimista, Lótus Bar…), só que ninguém se mexe. Estou errado?
É assim. Temos algumas salas mas também não são acessíveis e tu sabes bem disso. Sabes muito bem disso, sabes que maior parte das salas e bares de que falaste exigem uma percentagem brutal à porta e ainda ficam com o BAR, ou seja, mais uma vez a tua banda é que leva lá o pessoal, tu é que te esforças e organizas o concertos e o gajo da sala ou do bar não entende isso e muitas das vezes a percentagem que ele te dá nem dá para pagar a comida, publicidade, transportes, etc. Sabes bem disso.
E se isso é alternativo, vou ali e já venho!
Uma entrevista humilde e sincera. Obrigado Johnie.