Thursday, November 12, 2009

Em contradição

No passado dia 10 de Novembro, deparei com uma contradição bastante interessante na minha cidade.
Vivendo nós num país ‘livre’ e tendo sido o 25 de Abril há mais de 3 décadas, e sabendo eu que igualdade significa todos serem tratados da mesma forma e não uns terem mais que outros… Esta peculiar situação que me ocorreu, embora não tenha nada a ver uma com a outra, serve para demonstrar um pouco a instabilidade de valores e oposições com que nos deparamos no dia-a-dia.
Estava eu a dar boleia a 3 amigos quando me batem no vidro do carro. Era um funcionário do Jornal ‘Global’ a oferecer a edição número 495 a todos os condutores que parassem no sinal vermelho. Para não parecer antipático e por respeito ao seu trabalho, abri o vidro e peguei nesse mesmo veículo informativo. Como grande parte destes jornais ‘oferecidos’ é só notícias banais ou sobre moda & desporto, geralmente ignoro o que ali vem escrito e deixo de parte para quem quiser ler. Mas, no momento em que peguei no mesmo, li a notícia principal e o título despertou-me bastante a atenção: ‘Mundo está insatisfeito com sistema capitalista’. Na notícia referente ao mesmo tópico vinha ainda ‘Sondagem realizada entre 29 mil pessoas em 27 países divulgada pela BBC revela que é geral a insatisfação com o capitalismo do mundo e que a maioria defende maior regulação financeira’.
Essa mesma notícia ainda informa que apenas 11% dos inquiridos está confiante no actual sistema capitalista (porque será?). Menos surpreendente será dizer que metade destes pro-capitalistas residem nos Estados Unidos e no Paquistão! Quanto ao desmantelamento URSS, tirando os russos e os ucranianos que lamentam o seu desaparecimento, mais de 50% dos inquiridos aprovou a ‘queda da união soviética’. Novamente será escusado dizer que 81% dos norte-americanos consideram esta medida como algo proveitoso. Quanto ao fim do capitalismo e uma maior regulação do mundo financeiro, os 3 países que se encontram à frente desta aprovação são a França, o México e o Brasil. Apesar de nada disto provar muita coisa pois é apenas uma sondagem que poderá ou não equivaler à ideia mundial, e apesar de muitas vezes sermos induzidos em erro pelos meios de comunicação social, penso que a muitas conclusões se podem chegar através desta informação.
Entretanto… eis a contradição.
Num país tão desenvolvido (quem quiser que ria, quem quiser que chore) como Portugal, num país tão igual e justo como o nosso território nacional, passa-se algo que considero uma afronta aos valores nacionais e respeito por todas as comunidades existentes no nosso continente.
É que… numa população em que há dezenas de crenças religiosas diferentes não se justifica de modo algum a imposição do cristianismo / catolicismo e da época festiva (?!) do Natal a todos os que passearem pela rua. Ao que parece, e isto ainda é o mais grave de tudo, em Outubro já se andavam a colocar luzes e enfeites de Natal um pouco por toda a capital algarvia (ou possivelmente por todo o país). Sei que haviam ruas de Faro a ‘comemorar’ o Natal, bem antes da noite de Halloween o que é, no mínimo, ridículo e deplorável.
Se as férias do Natal são entre 7 a 15 dias, se a noite de Natal é de 24 para 25 de Dezembro e se Jesus Cristo só pôde nascer apenas uma única vez, como poderemos nós dar início a estas celebrações dois meses antes?!
Pelo meio temos ainda o Halloween (que fica muito bem decorado com todos estes enfeites de Natal por toda a parte!), o dia ‘Todos os Santos a 1 de Novembro, a Restauração da Independência a 1 de Dezembro e a Imaculada Conceição a 8 do mesmo mês. Tudo isto com a cereja no topo do bolo que são as estrelinhas e as árvores de Natal iluminadas por toda a minha localidade.
Mas nem é isso que mais me entristece. Sendo o Natal uma época triste e desigual (sim, não me convençam do contrário) que todos gostam de festejar… Sendo o Natal a altura do ano em que todos nós nos lembramos que temos familiares vivos a quem temos de ligar a dar os parabéns… Sendo o Natal a altura festiva em que todos podemos esquecer as nossas dívidas e preocupações e podemos esbanjar rios de euros capitalistas em comprar uma lembrança para os nossos ‘mais-próximos’ de modo a mostrar que nos lembramos deles… Sendo o Natal a época mais capitalista do ano sem dúvida alguma… Como podemos nós fazer parte de uma sondagem que diz que 89% de nós somos contra o actual sistema capitalista? Como podemos ser nós contra o capital enquanto somos consumistas ao ponto de sugar todo o nosso salário em merdas fúteis que apenas nos fazem sentir superiores com a falsa ilusão de que fizemos algo de bom para comemorar uma época que em nada é positiva? Como podemos nós ser contra o capitalismo quando fazemos banquetes luxuosos, em que grande parte do alimento acaba despejado no lixo, num mundo em que a pobreza mundial é muito superior aos 11% que são a favor do actual sistema? Como podemos ser nós contra a actual regulação financeira quando participamos num jogo egoísta e ganancioso em que cada um quer receber um presente mais valioso que o que é oferecido para se sentir superior? Quem diz o contrário não pensa! Já me deparei com situações em que se gastam 10€ numa prenda, recebe-se uma de 8€ e depois é comentários do género ‘que falta de consideração’. Sempre pensei que o Natal seria para se festejar e que o que contava era a intenção… AHAHAH! Intenção? De quem? Mas sendo eu contra o festejo do mesmo, ou contra o capitalismo (já que faço parte desses 89%), como poderei sair agora daqui e ir em direcção à ‘rua das lojas’ procurar artigos para oferta?
Mas algo ainda mais lamentável é o facto de estarmos a promover uma celebração religiosa que constitui uma agressão bastante forte a todas as outras religiões que não comemoram esta época festiva. Como podemos nós ‘obrigá-los’ a ter de lidar com esta afronta no seu dia-a-dia a caminho do trabalho quando em nada se identificam com estas comemorações?
Gostava de ver como seria se um dia as outras religiões tivessem o poder de escolher uma altura do ano para enfeitarem a cidade à sua maneira e nós tivéssemos de lidar com isso. Sendo nós um povo pacífico e respeitador, aposto que seriam muito poucos (ironia extrema!!) a sair à rua e a vandalizar toda essa decoração. Gostamos de ser respeitados mas… darmo-nos ao respeito? Isso dá muito trabalho e pouca chatice. Portugal é um país de macho-man’s e nós queremos é diversão, nem que seja a rirmo-nos da triste figura dos outros.

O pior é quando se riem da nossa.

Mas depois falam do ‘reino de deus’, falam da ‘igreja maná’, falam das religiões que ‘cobram’ para existir. Mas será que há alguma religião que não o faça? Será que as humildes igrejas que temos por todo o país são assim tão amigas dos pobres? Será que todos os artefactos banhados a ouro que se encontram dentro destas instituições são mero ‘fogo-de-vista’? Será que aquilo é tudo falso? Será que o dinheiro que recolhem com um cesto durante uma missa é para acabar com a fome no Mundo?

É caso para perguntar: Ainda acreditas no Pai Natal?

Já não basta eu ter sido desrespeitado quando me obrigaram a ser baptizado à nascença num acto em que eu não pude decidir por mim? Como podem impor-me algo com o qual anos mais tarde não me identifico? Como podem obrigar jovens a frequentar a catequese, missas aos domingos, fazer a primeira comunhão… e vêm falar de liberdade e do 25 de Abril?? Liberdade não é só estar atrás das grades. A liberdade mais forte e preciosa é a liberdade mental; aquela em que nós temos o poder de sermos donos de nós mesmos e dos nossos actos, aquela em que nós podemos decidir qual o caminho que pretendemos seguir sem que nada nem ninguém nos diga qual a forma mais correcta de o fazer.

Essa é a única liberdade que eu conheço.

‘Religiões por todo o lado, só nos querem enganar. Eu prefiro ser ateu do que andar para aí a rezar. Guerras religiosas neste mundo sem acabar. Não é preciso mais provas, as religiões só querem lucrar.’
(‘Ateu’, Censurados)

‘Papai Noel, velho batuta, rejeita os miseráveis. (…) Presenteia os ricos, cospe nos pobres.’
(‘Papai Noel Velho Batuta‘, Garotos Podres)

‘Mickey não brinca criança doente, ele tem medo se contaminar. Mickey só brinca meninos bonitos, tenham dinheiro para lhe pagar. Mickey não brinca criança africana, Mickey tem nojo criança negra, Mickey não gosta criança latina, Mickey rejeita criança brasileira.’
(‘Mickey’, Mukeka di Rato)

‘Os proveitos e as riquezas ou são para todos ou não são para ninguém.’
(‘Para Todos’, Gazua)

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