ASSOCIAÇÃO RECREATIVA E CULTURAL DE MÚSICOS DE FARO
* Duas centenas de músicos e actores temem encerramento da sua sede *
(por: Carolina Silva e Rodrigo Burnay; em 'O Algarve' de 14.12.06)
Faro tem um único espaço onde as chamadas bandas de garagem e os grupos de teatro amador podem ensaiar e apresentar os seus espectáculos. Simultaneamente, essa sala tem sido palco de centenas de espectáculos musicais de bandas portuguesas e estrangeiras absolutamente consagradas e conhecidas do público. Nesse sentido é, conforme salientou Rafael Rodrigues, músico e promotor de espectáculos, um espaço “equivalente ao Paradise Garage em Lisboa e ao Hard Club em Gaia”. A sala tem um nome: é a sede da Associação Recreativa e Cultural Músicos (ARCM) e poderá fechar, conforme noticiamos na nossa edição de 30 de Novembro.
“Nos últimos dois anos, quando a associação começou a organizar espectáculos, a actividade cultural em Faro nunca foi tão grande. E não se trata apenas de concertos de música, estou a falar de peças de teatro e mostras de todo o tipo', refere Rafael Rodrigues.
A sala de espectáculos serve também como elo de ligação entre os músicos; permite o conhecimento mútuo das várias bandas e funciona como ponte, possibilitando a ida dos grupos algarvios a outros pontos do país, assim como a vinda a Faro de bandas de outras regiões.
Segundo Rafael Rodrigues, “dantes isso nunca acontecia: as bandas do Algarve não saíam de cá e as de fora nunca cá vinham – a associação e a abertura desta sala quebrou o nosso isolamento e permitiu-nos mostrar o nosso trabalho em Lisboa ou no Porto. Actualmente, a associação é a maior força impulsionadora da música no Algarve”, afirma.
De acordo com Rafael Rodrigues, “antes desta sala abrir, as bandas algarvias tocavam uma vez por ano, quando um bar ou similar se lembrava de organizar um concerto. Hoje em dia é totalmente diferente: chegam a tocar três ou quatro vezes por mês – para uma banda de garagem isso é muito, muito bom. E tudo pelo facto de terem tido a oportunidade de se mostrarem aqui na associação”.
Se as bandas não tivessem um espaço para ensaiar na associação, diz o músico, “provavelmente não ensaiavam. É muito difícil arranjar um local. Neste momento temos 16 bandas – se a associação fecha, não há em todo o Algarve 16 sítios onde elas possam ensaiar”.
Segundo Rafael Rodrigues, “a música é uma forma de não nos metermos por outros caminhos. Pode ser um escape para a droga: os jovens refugiam-se na associação, dedicam-se ao seu trabalho e isso passa a ser a sua droga. Temos um exemplo aqui ao lado, na moagem. As pessoas vão para lá desgraçar a vida, enquanto aqui não há nada disso. Há uma ideia completamente errada sobre quem está ligado à música”, conclui.
No local estão 16 bandas a ensaiar e 18 em lista de espera. A sala de espectáculos é neste momento utilizada por dois grupos de teatro amador: o Sin-Cera e os Reticências, assim como o te-Atrito, este a caminho da profissionalização.
No total, utilizam aquele espaço para trabalhar cerca de 160 pessoas, entre jovens e adultos. Os associados são perto de 200.
Em relação ao teatro, os grupos não têm de pagar pela utilização do espaço.
“Faço teatro em Faro desde 1993. No início deste ano, vários elementos de grupos amadores de teatro de Faro juntaram-se para tentar criar uma companhia de índole mais profissional. A companhia começou em Janeiro, chama-se te-Atrito e encontramos um único sítio disponível para ensaiar: foi na Associação de Músicos”, conta Pedro Monteiro.
De acordo com o actor, “no Teatro Lethes ninguém pode ensaiar, só se tiver espectáculo e é dentro do horário de expediente. É possível ensaiar no IPJ, mas não pode ser a todas as horas – porque há outras actividades a decorrer – e também tem de ser sempre dentro do horário de funcionamento daquele equipamento. Nos Artistas também só e pode ensaiar a certas horas”.
O projecto inicial do Teatro Municipal de Faro, conforme já admitiu publicamente o presidente do Conselho de Administração daquele equipamento, Paulo Neves, sofreu várias alterações. Ou melhor, várias amputações, alegadamente, por dificuldades orçamentais. Como foi notório durante as últimas chuvadas, por causa dos cortes, o teatro «mete água» mas pelos vistos não «mete» lá os artistas farenses.
“O Teatro Municipal nem sequer tem um espaço para um grupo de pequena dimensão ensaiar – não se vai abrir uma sala com 800 lugares para esse tipo de projectos”, refere Pedro Monteiro. De acordo com o actor, “o plano inicial do Teatro Municipal incluía uma segunda sala, mais pequena, como acontece em Braga, ou no Teatro Municipal de Vila Real, por exemplo. Esses municípios apostaram numa casa pra espectáculos grandes, mas simultaneamente, também têm salas pequenas, com 150, 200 lugares, para permitirem a apresentação de outro tipo de projectos”.
Para Pedro Monteiro, “se a sede da associação encerra, a actividade teatral passa a ser menos possível. Não há um espaço público em Faro onde os grupos, amadores ou profissionais, possam trabalhar. Do ponto de vista artístico, o Teatro Municipal não é para os artistas farenses. Pode ser para o público farense, mas para os artistas não é, tanto ao nível de ensaio, como ao nível de apresentação de espectáculos. Salvo o erro, a ACTA fez lá dois ou três espectáculos e o grupo Ar Quente fez um”, sustenta.
A ARCM tem um protocolo de colaboração com o Instituto da Droga e Toxicodependência.
Com base nesse acordo, a associação tem recebido algumas pessoas em recuperação. O programa “Rede dos Artesãos” paga um ordenado, durante um ano, e a associação apoia na reinserção, ocupando e dando alguma formação profissional. As experiências não têm sido muitas, mas geralmente resultam.
Só num caso correu mal. E correu mal, justamente, porque a ARCM ficou sem sede e teve de hibernar, conforme refere Armindo Silva, um dos responsáveis pela colectividade.
“Ele ía falar connosco, nós íamos dar-lhe a exploração do bar da associação; com o fecho da sede viu-se sem perspectivas: voltou a cair e morreu”.
Paulo, José ou António, não interessa o nome, foi sempre um toxicodependente. A maior parte da sua vida passou-a na prisão. Com cerca de 40 anos e um filho “queria mudar de vida”. A ARCM ajudou-o e ele ajudou a colectividade - “era um artista nato em quase tudo”, refere Armindo Silva. Ao fim de um ano de recuperação, pintou um sorriso numa parede da antiga sede da ARCM, debaixo do qual escreveu: «o meu primeiro ano de liberdade». “Deixou a droga e agarrou-se à associação”, conta Armindo Silva. Quando perdeu a associação também perdeu a vida.
De acordo com os estatutos da ARCM, se a colectividade alguma vez der lucro, essa verba reverterá a favor de instituições particularidades de solidariedade social.
Até lá, tem organizado vários espectáculos de beneficência e cedido bandas para animar as festas das mais diversas instituições da região.
Há espaços em Faro susceptíveis de desempenhar um papel semelhante ao da sede da ARCM, mas pouco ou nada se sabe em concreto. A Fábrica da Cerveja tem servido para acções pontuais. Agora está encerrada. O Executivo liderado por Luís Coelho tinha a intenção de criar no local um museu de arte contemporânea. De acordo com fontes de «O ALGARVE», José Apolinário, actual presidente da autarquia, terá o mesmo propósito, mas nenhum projecto foi ainda tornado público.
Segundo Pedro Monteiro, “falou-se em transformar a Fábrica da Cerveja numa espécie de sede de associações, ou núcleo de concentração de associações. Também se falou no antigo Faro Shopping para os mesmos efeitos.
Na verdade nada avançou.
Fez-se o Teatro Municipal – e acho muito bem – mas não se avançou – nem a Faro Capital Nacional da Cultura ajudou – com a criação de condições de trabalho para companhias de teatro ou de música amadoras".
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